Fica 2018 - Tenda Multiétnica traz povos nativos ao Festival e promove tradição e conscientização ambiental
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Espaço de variadas etnias indígenas e quilombolas, a Tenda Multiétnica no Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica) 2018 é ponto de encontro dos povos tradicionais do Cerrado durante o evento. A Praça do Chafariz foi tomada pela troca de vivências por meio de palestras, rodas de conversa, oficinas, apresentações de dança, música e mercado aberto. Diferentes em sua origem, indígenas e quilombolas se unem em suas dificuldades de preservação de tradições e territórios.
Na celebração dos 20 anos do Fica, a Tenda recebeu 5 comunidades indígenas e 4 comunidades quilombolas goianas, somando 9 etnias do cerrado. Xavantes, Inã (Karajás), Avá Canoeiros, Tapirapés e Tapuias representaram os indígenas do Estado de Goiás. Kalungas, quilombolas do Alto Santana, Campos Dourados, Professor Jamil e de Mineiros, representaram os quilombos do estado. Em menor número, também estiveram presentes povos de outras regiões do Brasil, como os Kariri Xocó, de Alagoas, e os Xakriabá, de Minas Gerais.
Foto: Leo Iran/ Seduce
Professor da Universidade Estadual de Goiás, Robson de Sousa Moraes, frequenta o Fica há mais de uma década e desde a criação da Tenda Multiétnica, há 3 anos, trabalha como organizador do espaço. Ele explica que a Tenda é um esforço do Fica para incorporar experiências dos diversos povos do cerrado, que historicamente têm suas vivências ligadas ao meio ambiente. Para ele, dialogar com as comunidades tradicionais é fundamental. “Sem esses povos, não tem preservação do cerrado.”
A locutora Maria Elisangela Antunes Pereira participa do Fica pela segunda em um grupo de 16 quilombolas e acredita que a Tenda Multiétnica resgata a união dos povos tradicionais, que foi se perdendo. “Ter um espaço de respeito é muito importante, A cultura e a tradição ainda são as mesmas, só que esparramadas. Quando tudo se junta é maravilhoso, é um aprendizado,” comemora.
A reducação das generalizações e estereótipos sobre os povos tradicionais é para Wahuka Inã, da etnia Inã (Karajá), uma das vantagens do Fica que torna mais conhecidos os povos tradicionais. “O Fica é muito importante para divulgarmos a cultura do povo indígena, nosso jeito de ser, de estar e nossa convivência com a sociedade envolvente”, explica o professor da língua nativa, que veio ao festival em um grupo de 15 pessoas de sua etnia.
O professor e intérprete Xavante, Heron Wa’rãwi Abtsire, participa da Tenda desde a primeira edição. Ele veio ao Fica com outros 20 companheiros de sua etnia, da cidade de Aragarças, na divisa com o Mato grosso, e acredita que o foco é o fortalecimento da cultura dos povos tradicionais. “É muito bom conhecer mais outras etnias”, disse.
Entre a troca de saberes e o espaço de discussão, em seu terceiro ano no Fica, a Tenda Multiétnica se forma com o um espaço para amplificar a voz dos povos que carregam em sua identidade a marca da preservação ambiental, que é parte de sua ancestralidade. “Nós não temos a natureza e a terra como objetos de lucro, a terra é nossa mãe e a natureza para nós é sagrada, mãe a gente cuida e protege”, explica a estudante de direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) Juvana Xakriabá, da etnia Xakriabá.
Para o Inã, Wahuka, o homem branco precisa entender a relação dos povos indígenas com a natureza e tem muito a aprender com isso. “A nossa relação com a natureza é forte, é como se tivéssemos um elo de comunicação”, explica.
Kawyany Kariri Xocó, da etnia Kariri Xocó, de Alagoas, realiza um trabalho de divulgação da cultura de seu povo, que incluiu a conscientização ambiental, venda de artesanato e realização de palestras em escolas. “Nós sabemos contar a nossa história, o meio ambiente faz parte da gente, nós somos o meio ambiente, a gente vive com os seres vivos, pássaros, peixes, nós dependemos do ar da terra.”
Mostra Povos do Cerrado
A temática dos povos tradicionais e a preservação ambiental também ganhou visibilidade com a Mostra de Cinema dos Povos do Cerrado, nos dias 6 e 7/6, quarta e quinta-feira, no Cine Cora Coralina, na Universidade Estadual de Goiás (UEG), filmes produzidos por representantes de comunidades tradicionais do Cerrado Brasileiro.
Foram exibidos 22 filmes, principalmente curtas-metragens. Os filmes trataram de temáticas variadas sobre diferentes problemas que passam pela preservação de recursos naturais, lutas por território e extermínio de povos tradicionais, produção e modos de vida tradicionais, tráfico humano e trabalho escravo.
A mostra incorpora no festival os filmes feitos por essas populações tradicionais. “É um instrumento de colorir de gente o Fica dizendo que todos esses povos tem os seus produtores culturais e cineastas e esses filmes precisam ser mostrados” explica Robson Moraes.
Território
Para indígenas e quilombolas as pautas ambientais estão atreladas às disputas por território e essa discussão permeia os debates na Tenda Multiétnica. Para Elisangela, essas populações são fortemente ligadas à proteção da natureza e a desterritorialização de povos tradicionais condena a preservação ambiental. “As pessoas precisam da terra para comer e da água para sobreviver, não só da tecnologia e das construções,” defende a quilombola
Grupo formado pela união de duas etnias perseguidas, os Kariri Xocó têm uma longa história de disputa de terras. Eles perderam suas terras para ruralistas e viram seu povo diminuir e ser urbanizado. Hoje retomaram parte das terras e já são 5 mil. A educação formal chegou à tribo, que tem vereador eleito, advogado, enfermeiro, médico e antropólogo, todos da etnia Kariri Xocó.
Além das problemáticas comuns a todos os descentes dos africanos escravizados no Brasil, os quilombolas de Recantos Dourados, em Abadia de Goiás, cidade próxima a capital do estado, sofrem com o preconceito e os problemas causados pelo depósito rejeitos do acidente com o Césio 137. “Além sermos negros, quilombolas, somos de onde foi plantado o lixo radioativo”, conta Elisangela, cuja comunidade têm dificuldades para vender a produção agrícola.
Novas gerações
Para quem acredita que os povos tradicionais estão fadados ao desaparecimento, a Tenda Multiétnica no Fica 2018 é um sopro de esperança. Entre danças, músicas, brincadeiras e artesanato, crianças e jovens de todas as idades transitam carregando indumentárias tradicionais e falando os seus idiomas nativos. “Manter viva a nossa cultura, tradição, reza, fé, e energia espiritual é o motivo de estarmos aqui”, defende Elisangela, que acredita que a presença das novas gerações nas Tenda é fundamental.
Juvana Xakriabá, da etnia Xakriabá veio do extremo norte de Minas gerais ao evento acompanhada de sua mãe e seu filho. Únicos de seu povo no Fica, eles representam três gerações de saberes. Para a estudante, passar para o seu filho as tradições Xakriabá é um compromisso, que os mais jovens devem ter. “É o comprometimento de uma luta iniciada por nossos ancestrais” defende
Entre os mais jovens e os mais velhos circulam tradições calcadas na ancestralidade e em uma guerra secular pela defesa de seus modos de vida, territórios e do meio ambiente. Mesmo com tantos anos de luta, Ana Xakriaba, mãe da estudante Juvana, mostra que não perde a esperança de um futuro melhor para povos indígenas e quilombolas “um dia essa guerra acaba”, afirma com o neto no colo.
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